24 agosto, 2008

Abre o círculo


A lua olha-te e diz, abre o círculo.
Abre o espaço.
Sobre a sombra do carvalho velho.
Abre o corpo.
Na luz da manhã, o encontro.

Abre o círculo e penetra-o .
Diz as palavras mágicas.
Usa os gestos mágicos.
A lua espera no interior de ti, liquida e obscura, espera-te.

Abre o círculo.
Dá vida. Onde a lua te reclama.
No espaço interior que abres com as palavras mágicas
O carvalho prepara o gesto que te fará inteira."

13 agosto, 2008

Horóscopo Pagão


saturno
com passos lentos
corrige o traço
imperfeito
de deus

por entre as águas
e as serpentes
e todos os bichos
do céu e da terra
surge
imponente

de um só trago
saturno
come os filhos
come o tempo
para ser eterno

mas pã
ainda não adormeceu
e com a sua flauta
e uma gargalhada
semeia vida
pelos campos férteis

deita-se nas ervas
e sorve o sol
metade bode
calcorreia montanhas
e vales
e entrega-se
ao prazer

por isso
há prazer e solidão
luz e escuridão
na mesma e eterna dança
dos deuses
do inverno

pã e saturno
dançam com os homens
o jogo da vida e da morte
para que não nos esqueçamos
que existem
para além dos sonhos

07 agosto, 2008

Mini conto policial


O homem é um animal de hábitos, menina", disse o comissário enquanto se reclinava na cadeira. "Sente-se aqui. Então? Percebe a diferença?" A diferença era uma pequena ventoinha de mesa que girava ar fresco para a cara vermelha do homem, que limpava o suor de 2 em 2 minutos. "Tenho só umas perguntas a fazer-lhe. É rápido". As mãos gordas esgravatavam qualquer coisa numa das gavetas. "Agora não Costa, estou ocupado", deu como resposta a um polícia fardado que o esperava à porta da sala. "Aqui está". Olhou para o papel, primeiro colocando-o muito perto dos olhos, depois muito longe, retirou uns óculos não se sabe de onde e colocou-os no nariz. Analisou minuciosamente o papel. Depois olhou para o ecrã do computador e para o papel e bateu pesadamente com os dedos nas teclas. "A password" disse "nunca me lembro da password". Olhou para a rapariga e para o ecrã alternadamente enquanto murmurava "hum hum", "sim senhor" e limpava com um lenço as pequenas gotas de suor que lhe escorriam da testa. Por fim fitou a rapariga por cima dos óculos, fez uma pausa e perguntou-lhe "a menina sabe porque é que está aqui?"