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Olhei-me ao espelho e vi-me em criança. Os ganchos a prenderem o cabelo, a boca fechada, o olhar grave, há quem diga triste, que ainda hoje mantenho. Queria embalar-me. Ser a mãe e a criança no mesmo movimento ondulante.
(A cada dia eliminamos tempo e hipóteses, nada a fazer, apesar dos ombros ainda suaves aos lábios.)
Poderia nem ter começado. A nossa relação. Mas naquela tarde olhaste para mim de forma diferente. Toda a minha alma a nu. E nos teus olhos uma pergunta a que não soube responder.E depois veio aquela tatuagem em estrela nos braços do rapaz. Devia ter 20 anos. Ele e a namorada a comerem-se na repartição pública. Parecíamos nós, há tanto tempo, lembras-te?
(A cada dia eliminamos tempo e hipóteses, nada a fazer, apesar dos ombros ainda suaves aos lábios.)
Parecia-me boa pessoa. Tínhamos gostos em comum, e até o mesmo sentido de humor mas, as mãos estragavam tudo. (Não eram as tuas.) Lembrava-me sempre uma conversa com o velho daquele restaurante que costumávamos frequentar, lembras-te? Uma tarde ele chamou-me e disse "nunca confie num homem com dedos muito longos". Parvoíce, eu sei, mas lembrar-me do velho enquanto as mãos dele me tocavam, arrepiava-me. (Não eram as tuas.)
(A cada dia eliminamos tempo e hipóteses, nada a fazer, apesar dos ombros ainda suaves aos lábios.)