Às vezes escrevia-me uma carta, outras vezes enviava um postal ou uma embalagem com prendas e fotografias. Contava sempre grandes aventuras, nunca soube quais as verdadeiras e as inventadas. Mas era sempre com grande ansiedade que abria os pacotes que chegavam, atados com fio do norte e exibindo uma grande variedade de selos estranhos. Antes de abrir cheirava sempre o pacote, tentando adivinhar o que traria dentro: cheguei a receber fruta nesses pacotes! Mas as prendas mais frequentes eram perfumes, óleos, roupa, pequenas peças de artesanato e livros. Claro, sempre acompanhados de uma carta com as descrições alucinantes das suas viagens.
Quando as cartas e encomendas começaram a rarear, de início nem notei, tinha vindo para a universidade, a minha vida estava cheia de coisas novas que precisava explorar. As cartas tornaram-se um apontamento exótico na minha vida. Um Natal qualquer, estávamos a abrir as prendas e apercebi-me que já não recebia notícias dele há mais de 2 ou 3 anos, mas nem consegui ficar preocupada, pensei, "deve estar metido noutra grande aventura". Quando me casei quis comunicar-lhe, mas para onde? Ainda contactei algumas embaixadas, mas a resposta era sempre: paradeiro desconhecido.
O tempo foi passando, os filhos foram nascendo, divorciei-me, voltei a casar, voltei a divorciar-me.
De tempos a tempos relia as cartas antigas, recordavam-me a minha infância, transportavam-me para um mundo imenso que nunca conheci. Ainda as guardo todas num caixote, com as fotografias que me enviava e onde ele nunca aparecia.
Na verdade nunca o vi, conhecia-o apenas pelo que me contava nas cartas, foi sempre para mim um mistério, uma existência quase mágica, uma personagem de romance. Por isso, foi um choque quando recebi a carta. Pediam-me para ir reconhecer um corpo que eu nunca tinha visto. Fui. Ia vê-lo pela primeira e última vez. Quando o destaparam não hesitei. Tinha o mesmo cheiro das cartas. Era o meu pai.