
despir-me
de palavras
e gestos.
Ser só o voo
silencioso,
atento, presente
do milhafre.

Há já algum tempo que observo a rapariga. O corpo que se move lenta e cuidadosamente, terminando sempre numa pose que, como direi, realça toda a sua feminilidade: o peito em riste, a coluna curvada para um lado, as ancas para o lado oposto, o pescoço ligeiramente para trás. Ao mesmo tempo, as mãos, ainda mais lentas que o resto do corpo e uma de cada vez, percorrem, abertas, os cabelos longos. Um pretexto, talvez, para levantar os braços e animar ainda mais o peito.
o homem corre, corre, corre; o corpo em esforço, as pernas musculadas a avançar, os braços em movimento, a t-shirt suada, o som dos pés a cair no chão de terra, a sombra das árvores entrecortada por pequenas manchas de sol, o som da respiração, as batidas do coração cada vez mais fortes, os olhos presos apenas ao caminho em frente; o homem corre e desvia-se dos ramos mais baixos, desvia-se das pedras do caminho, percebe rapidamente por onde deve ir; e vai; o homem corre, corre, corre e depois pára; pára e curva-se, as mãos nos joelhos nus, a respiração ofegante, o coração muito rápido começa a abrandar, o suor a cair-lhe da cabeça, a escorrer pelo corpo todo, gotas salgadas de suor que deixam marca no chão de terra; o homem respira, curvado sobre os joelhos, olha em frente, acocora-se, a cabeça tomba entre os joelhos dobrados, as mãos na cabeça sentem o suor; o homem sente uma dor no peito e finalmente chora; acocorado, as mãos na cabeça, gotas de suor, lágrimas, terra, coração apertado, o corpo descansa e chora; o homem leva as mãos à face e limpa as lágrimas, tira a t-shirt que passa na cabeça e peito para tentar secar o suor, volta a vesti-la, respira fundo, levanta-se, olha o caminho em frente; recomeça a correr, primeiro devagar, depois mais depressa, o homem corre, corre, corre e transforma-se no movimento, no caminho, nas árvores em volta, no ar que respira, o homem agora é apenas um corpo em esforço a avançar, afastando os ramos, desviando-se dos obstáculos, percebendo rapidamente para onde deve ir; e vai.
É frequente empurrar a porta
E então ele disse
Olhei-me ao espelho e vi-me em criança. Os ganchos a prenderem o cabelo, a boca fechada, o olhar grave, há quem diga triste, que ainda hoje mantenho. Queria embalar-me. Ser a mãe e a criança no mesmo movimento ondulante.


O homem é um animal de hábitos, menina", disse o comissário enquanto se reclinava na cadeira. "Sente-se aqui. Então? Percebe a diferença?" A diferença era uma pequena ventoinha de mesa que girava ar fresco para a cara vermelha do homem, que limpava o suor de 2 em 2 minutos. "Tenho só umas perguntas a fazer-lhe. É rápido". As mãos gordas esgravatavam qualquer coisa numa das gavetas. "Agora não Costa, estou ocupado", deu como resposta a um polícia fardado que o esperava à porta da sala. "Aqui está". Olhou para o papel, primeiro colocando-o muito perto dos olhos, depois muito longe, retirou uns óculos não se sabe de onde e colocou-os no nariz. Analisou minuciosamente o papel. Depois olhou para o ecrã do computador e para o papel e bateu pesadamente com os dedos nas teclas. "A password" disse "nunca me lembro da password". Olhou para a rapariga e para o ecrã alternadamente enquanto murmurava "hum hum", "sim senhor" e limpava com um lenço as pequenas gotas de suor que lhe escorriam da testa. Por fim fitou a rapariga por cima dos óculos, fez uma pausa e perguntou-lhe "a menina sabe porque é que está aqui?"
o tempo não passou em essaouira, a ventosa
há palavras a mais neste mundo,
entra na roda, não temas
"um dia também tu serás alimento"
Às vezes atiro-me. De cabeça. Sem me preocupar se vou cair, sem saber onde vou parar.
Às vezes escrevia-me uma carta, outras vezes enviava um postal ou uma embalagem com prendas e fotografias. Contava sempre grandes aventuras, nunca soube quais as verdadeiras e as inventadas. Mas era sempre com grande ansiedade que abria os pacotes que chegavam, atados com fio do norte e exibindo uma grande variedade de selos estranhos. Antes de abrir cheirava sempre o pacote, tentando adivinhar o que traria dentro: cheguei a receber fruta nesses pacotes! Mas as prendas mais frequentes eram perfumes, óleos, roupa, pequenas peças de artesanato e livros. Claro, sempre acompanhados de uma carta com as descrições alucinantes das suas viagens.
"Estás cada vez mais cínica", disse ele, depois daquele breve silêncio que acontece quando já não há mais nada a argumentar.
O pior julgamento é o que fazemos de nós próprios e não o que pensamos (imaginamos) que os outros fazem de nós.
Primeiro vendemos o carro. Teve de ser. A gente habitua-se aos horários dos transportes; e andar a pé faz bem à saúde, como se costuma dizer.